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A Integração do São Francisco: Verdade e Mito

Francisco Jácome Sarmento



Nos primeiros anos após o desembarque luso constatou-se a seca como fator ambiental característico do Nordeste, com o qual indígenas integrados conviveram antes dos portugueses, embora o primeiro registro disponível sobre o fenômeno date de 1552. No século XVI, jesuítas também relataram secas com drástica redução de chuvas desde áreas interioranas adentradas até áreas litorâneas. Com diferentes abrangências territoriais (quase sempre irradiadas a partir do semi-árido setentrional, formado pelos estados do Ceará, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e de Pernambuco), diferentes durações (de 1 a 6 anos) e severidades, há registros de pelo menos 47 secas até o presente. Em decorrência, estima-se que de 2,5 a 3 milhões de pessoas morreram no semi-árido brasileiro.


Ao longo de cinco séculos, as características da forma inepta e inconstante de tratar o semi-árido assolado pelas secas permane­ceram incólumes e imutáveis em espaço discricionário permeável a inovações como a mentalidade das forças políticas decisórias: a assimilação superior ao discurso do coletivo sobre o privado, do social sendo finalidade do econômico, do conceito de nação ao de região, do olhar futuro ao imediatismo cego.


Nesse processo histórico, a alternativa migratória tornou-se atraente ao sertanejo vitimado na impiedosa e secular moenda. Justificaram-na a seca inseparável da fome e da morte, o poder local personificado em coronéis e capangas, a submissão das agências governamentais às oligarquias – pífias no alcance dos objetivos – e o oportunismo adensando o espúrio uso de paliativos de combate às secas nas emergências.


Os centros urbanos do Sudeste (São Paulo/Rio de Janeiro à testa) projetavam a esperança do nordestino, pondo-lhe o destino às mãos, na decisão de emigrar. Agravado na dança macabra da seca na arena do subdesenvolvimento, da injustiça social e do abandono – e movido a esperança –, o secular passivo socioeconômico engrossava as fileiras proletárias do motor capitalista, não sem manifestações contrárias, de pensares temerosos de aumentar tensões socais em centros urbanos. Baixos salários, subemprego e desemprego impuseram aos migrantes as favelas como moradias. Em 1976, a socióloga norte-americana Janice E. Perlman, em obra que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso prefaciou, demonstrou que os migrantes nordestinos compunham 34% da população de morros e favelas no Rio de Janeiro.


A existência de secas e a manipulação inumana de seus efeitos mantiveram determinadas estruturas de poder, da colônia à república. O preço socioeconômico pago pelo não-enfrentamento real envergonha a nação e a expõe a paliativos onerosos em vez de a tomadas de decisão eficazes. Superar os entraves e desenvolver a região não requer miraculosos planos e obras que tornem os habitantes sujeitos passivos à espera de mudanças. A exclusão social agravou-se ao limite. Ações simplistas não resolvem o problema, tampouco as que excluem o beneficiário como agente transformador e ampliador de sua liberdade.


O semi-árido brasileiro e, em particular, o semi-árido setentrional chegam ao século XXI marcados pela multiplicação de municípios que cobram da renda nacional um quantum que não resolve a desestruturação que secas provocam e por algumas respostas positivas em ilhas de prosperidade (onde os investimentos foram acertados) no oceano da exclusão.


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